sábado, 6 de dezembro de 2008

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Outono em Zurique (Foto F. Ornelas, 2007)

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O financiamento da investigação em Portugal

O Ministro Mariano Gago anunciou, logo após a sua posse, que o financiamento da investigação em Portugal seria maior que nunca. E o então recém chegado Presidente da FCT (agência portuguesa de financiamento da investigação) garantiu que todos os anos abriria concurso para financiamento de projectos de investigação em todas as áreas científicas. O dito concurso abriu em 2006, mas nunca mais abriu. O Estatuto da Carreira Docente Universitária (ECDU) obriga à realização de investigação por parte dos docentes universitários, mas as universidades não têm sequer dinheiro suficiente para os ordenados, quanto mais para a investigação. Então quais as alternativas do docente universitário? (1) Não realizar investigação, (2) submeter propostas de projectos de investigação à FCT (com elevado risco de não serem financiadas), ou (3) procurar financiamento nos países onde a investigação é valorizada e financiada. Neste último caso, Portugal passa pela vergonha de ver os seus investigadores serem reconhecidos e financiados por terceiros. Então como é que os docentes universitários cumprem o seu ECDU, e os Laboratórios Associados se mantêm excelentes, se a FCT não abre concursos?
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As regras da FCT dizem que os projectos de investigação não podem pagar bolsas de pós-graduação. Ou seja, se o candidato a doutoramento não é docente universitário, tem que pedir uma bolsa à FCT, independentemente do projecto. Portanto, como há 2 candidaturas independentes (projecto e bolsa), as alternativas são muitas, e todas desastrosas menos uma. Neste quadro, quem é o docente, consciente e responsável, que se arrisca a convidar um jovem doutorando para integrar um projecto de investigação? Em 2002 tive um projecto aprovado, mas financiado apenas em 2005 (o tempo de duração de uma tese de doutoramento!), e em 2006 um projecto chumbado com base num relatório onde se lia ”Excellent chance for researcher with a very strong track record in this field to work in one of the world’s top laboratories with a world class team. This should result in high impact publications.”, apenas porque não incorporava nenhum doutorando. Mas como poderia incorporá-lo se a FCT não o permite?! Felizmente, o ETH-Zürich decidiu financiar o trabalho experimental. No MIT europeu, ao contrário de Portugal, as candidaturas a projectos de investigação estão abertas em permanência e destinam-se prioritariamente ao financiamento de teses de doutoramento. Exactamente o oposto de Portugal.
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Para finalizar, o nosso desempenho (bom ou mau) não tem consequências (boas ou más). Não existe por parte da FCT avaliação de relatórios e, portanto, não existem consequências, para o bem ou para o mal. Se houvesse, a FCT já se teria apercebido de que chumbou um projecto a um investigador que produz muito mais do que promete. Num país normal, como a Suíça, esse seria o investigador a financiar ... e foi, apesar de ser estrangeiro.

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Laboratório de deformação experimental de rochas no ETH-Zürich

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Quem quer ser titular?!
Ou catedrático?!


Se os professores portugueses conhecessem o real significado deste termo, poucos se atreveriam a candidatar-se ao cargo de professor titular ou de catedrático.

(Quase) todos os professores elegíveis dos ensinos básico e secundário se candidataram a professor titular, e muitos conseguiram. Isto porque as regras do jogo definidas pela Ministra da Educação são injustas e estavam viciadas à partida. Mais ainda, instituiram a promiscuidade e o medo com a introdução de uma falsa avaliação pelos pares. Felizmente houve alguns (poucos) corajosos e lúcidos que se recusaram a fazer parte da farsa. A realidade dos países bem sucedidos é o oposto – o titular deixa de ser um lugar permanente, e é o único que é regular e formalmente avaliado porque é o responsável pelo desempenho do seu grupo. Como é tão a favor da avaliação e é chefe, a Ministra da Educação devia dar o exemplo e submeter-se à avaliação. Mas para tal teria que estar disposta a perder de imediato o seu lugar no governo. Isto porque o seu comportamento é incompatível com a Educação e o Ensino, onde a premissa mais básica e fundamental é uma grande vontade de aprender. Mas a Ministra é arrogante, porque acha que não tem nada a aprender com ninguém. Um bom professor é um eterno estudante e almeja que todos os seus alunos o ultrapassem. Assim se faz a evolução.

Na universidade portuguesa, o professor titular (catedrático) ocupa um lugar vitalício, e isento de avaliação e de obrigação de prestação de contas. O catedrático não é sequer responsável pelo dinheiro atribuído ao seu departamento, pelo que não tem que prestar contas da sua má utilização. Como não tem que prestar contas de nada nem a ninguém, esbanja o erário público e promove a endogamia e os amigos de espinha dorsal sempre curva, em detrimento dos competentes e verticais. Em instituições muito bem sucedidas como o ETH-Zürich na Suíça, o full professor (o nosso catedrático) está a contrato de 6 anos, ao fim dos quais passa por uma avaliação individual e rigorosa de 3 dias: administração, ensino e investigação, um dia para cada, perante um júri de elevada exigência. Como consequência óbvia e imediata, o professor titular do ETH-Zürich procura os mais competentes, e faz tudo para que a sua equipa tenha um desempenho excelente. Caso contrário, perde o seu lugar para alguém que seja mais competente e responsável. Portanto, o nosso catedrático é exactamente o oposto do full professor. Por isso mesmo o ETH-Zürich conta 24 prémios Nobel no seu historial, e é considerado o MIT europeu. Sabendo que o actual estatuto de catedrático é nefasto para a universidade portuguesa, o Ministro Mariano Gago devia ter coragem de acabar com o lugar de catedrático e instituir o titular, mas à semelhança do full professor. Mais ainda, devia substitui-los por sangue e cérebro jovem, porque o corpo docente da universidade portuguesa será, dentro de 5-10 anos, um grupo envelhecido e incapaz de, sequer, formar os jovens sucessores.

Como disse Einstein “The problems that exist in the world today cannot be solved by the level of thinking that created them”.

Neste quadro de exigência e excelência, quem quer ser titular?
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Ainda a avaliação
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O triunfo dos porcos ... ou não


Como já não se via há muito, uma classe organizou-se para lutar pelos seus deveres e direitos, por uma causa justa. Este acto, por si só meritório (afinal ainda há Portugueses com a espinha dorsal vertical e rígida), não tem sequer merecido uma reflexão séria por parte dos governantes. Antes pelo contrário, tem sido tomado como uma rebelião. Como se não bastasse, a classe dos Professores conta agora com um inimigo da sua própria espécie. Alguns animais são mais animais que outros, como na alegoria de George Orwell.
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Tal como no Triunfo dos Porcos, as leis (mal interpretadas pelos outros animais, claro!) são alteradas por conveniência em despachos domingueiros. O que, convenhamos, é uma diferença substancial para as alterações nocturnas na alegoria de Orwell! Os Professores tentam opor-se a leis feitas à pressa (e a alterações dominicais das mesmas), organizam-se e manifestam-se pedindo a suspensão da avaliação e do actual estatuto da carreira docente. A Governante reage, qual Napoleão que descobre um complot contra si próprio, e ameaça executar alguns Presidentes de Conselhos Executivos (PCEs rebeldes, que ela até já sabe quem são) que se atreveram a suspender a avaliação nas suas Escolas (mesmo que uma seja a melhor do País!).
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Negociar (leia-se ameaçar com o SIADAP) com uma elite de PCEs sabendo o que pensa a grande maioria da classe, mostra bem a categoria dos nossos governantes e o calibre das suas (más) intenções. A táctica vem de outros tempos: dividir para reinar. A Governante napoleónica e os seus dois Squealers ameaçam os PCEs (para os transformar em Boxers), que de seguida vão ameaçar os Titulares (... mais Boxers nomeados por lotaria), que, com o único fim de se safarem na sua própria avaliação, vão por sua vez infernizar a vida aos colegas (despudoradamente tomados por carneiros pelos governantes). Isto mostra também quão curva e mole é a espinha dos PCEs que tão facilmente cederam ao autoritarismo e arrogância dos governantes. Toldados pelo medo, os PCEs esqueceram-se da vontade da grande maioria dos Professores que representam, e deixaram-se manipular por aqueles que detêm (no pior sentido) momentaneamente o poder social e político. Este governo exibe comportamentos inaceitáveis numa democracia que se pretende moderna, civilizada e (imagine-se) socialista (tal como na metáfora de Orwell).
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Nem Orwell podia imaginar que uma espécie se predasse a si própria. Embora reconhecesse a estupidez humana, talvez tenha partido do princípio de que na essência era uma espécie inteligente e racional. Mas muitas são as evidências de que uma parte não é. Professores, mostrem que nem todos têm que ser Boxers, ou vergar-se aos Napoleões, e que ainda existe uma classe digna, honrada e com sentido de justiça que vai lutar até ao fim, pela razão e com inteligência. Mostrem que a metáfora de Orwell pode ter um fim mais optimista e mais digno – o Triunfo Sobre os Porcos.
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“Only two things are infinite, the universe and human stupidity, and I'm not sure about the former”, Albert Einstein
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O Triunfo dos Porcos (Animal Farm: A Fairy Story, no original), escrito por George Orwell e editado em 1945, é uma sátira aos governos arrogantes e autoritários (Stalinismo) e à estupidez humana. Para quem não sabe, ou não se lembra, a elite governante é representada por porcos napoleónicos, secundados por Squealers e guardados por cães de fila, e ...
(resumo em
http://www.harrymaugans.com/2006/04/19/animal-farm/ ou versão integral em Inglês em http://www.msxnet.org/orwell/print/animal_farm.pdf)

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Acrópole, Atenas (Foto F. Ornelas, 2007)

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De muitas viagens...

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Como resultado de muitas viagens, e contacto com muitas culturas e muitas maneiras diferentes de pensar e ver a vida e o mundo, tenho sido obrigado a reflectir. Aqui fica uma visão pessoal da avaliação, que se desenvolveu ao longo dos anos e com a experiência ganha em muitos países por esse mundo fora.
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Uma outra visão da avaliação

Quem deve ser avaliado? A resposta óbvia a esta pergunta é: todos nós! A questão centra-se então no como. A Ministra da Educação (ME) decidiu começar por baixo, os Professores, com os efeitos nefastos que são conhecidos e eram expectáveis.Qual a alternativa? Começar por cima, tendo como base a prospectiva estratégica (conceber um futuro desejado e o caminho para lá chegar) e uma visão social (leia-se inclusiva) da avaliação. A ME cumpre, ela própria, o que sugere presentemente para os Professores, e apresenta a todos nós um plano (estratégia) para a Educação e o Ensino em Portugal. Nele deve incluir o recenseamento dos problemas da Educação e Ensino em Portugal, a sua missão como ME, a sua estratégia de resolução dos problemas e de desenvolvimento, e resultados expectáveis. Nós, todos nós, estamos cá para avaliar o seu projecto. Portanto, o exemplo vem de cima e a primeira a ser avaliada é a ME. Se o plano for aprovado, apresenta as tácticas para a sua boa execução, as quais devem ser amplamente discutidas.


De seguida, deve exigir aos Presidentes de Conselhos Executivos (PCEs) que elaborem estratégias para as suas Escolas, tendo em conta as realidades locais. Estes planos devem ser avaliados por especialistas e sancionados pela ME. Portanto, os segundos a ser avaliados são os PCEs.


O degrau seguinte devia ser o Professor Titular (PT) (na minha visão aquele que coordena uma equipa), comprometido a apresentar uma estratégia mais centrada, a da sua área disciplinar. Aqui levanta-se a questão de quem deve ser titular (leia-se coordenador). A resposta parece ser simples para quem está habituado a ser honesta e justamente avaliado: os mais competentes. E como se avalia a competência? Por avaliação curricular e de desempenho na sala de aula, a ser efectuada por especialistas.


E fica assim criada uma estrutura de responsabilização, em que os principais avaliados são os mais responsáveis: a ME, os PCEs e os PTs, por esta ordem.


O Professor tem como objectivo principal ser, cada vez mais, melhor Professor, com tudo o que isso implica. E não tem certamente que se perder em burocracias que não levam a nada mais do que o desespero de ver o seu tempo precioso ser desbaratado. Ele tem que se sentir integrado (motivado e implicado) numa estratégia Nacional e de Escola, ou seja numa equipa coesa e consistente com um objectivo comum: formar jovens competentes, informados e criativos, que são ao mesmo tempo cidadãos socialmente correctos e activos. O Professor é acompanhado e avaliado pelo seu Coordenador (que até se pode chamar Professor Titular).
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A avaliação só deve acontecer se for inclusiva (leia-se social) e não exclusiva (leia-se anti-social). O avaliado não deve ser excluído por vontade de terceiros, mas sim por decisão própria. Ao avaliado deve ser dada a oportunidade de corrigir os desvios. Se este aceitar e melhorar o seu desempenho, ganha-se um bom professor; caso contrário, auto-exclui-se e abre-se a oportunidade para a inclusão de sangue jovem e motivado no sistema.


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Nota de abertura

Há princípios básicos de vida que deviam guiar a nossa actuação quotidiana. Um deles é o que suscitou este blogue: se não se faz parte da solução, faz-se parte do problema. Aqui não há tons de cinza, ou é preto ou é branco.

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Pôr do sol Almograve (Foto F. Ornelas)
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